segunda-feira, 14 de junho de 2010

Como nasce um pescador

Catorze anos. A paisagem parecia correr do lado de fora do velho Corcel II branco. A viagem de Laranjeiras a Itabaiana também corria divertida. Eu, Fábio e Júnior conversávamos despreocupadamente no banco de traz do carro. Piadas, algazarra, coisas de adolescente. Ao longe, casas esparsas se destacavam na beira da estrada. Pessoas caminhando. Homens e mulheres carregando lenha, latas de água, cestos, etc. Mais adiante, crianças correndo e brincando com seus vira-latas. Cenas corriqueiras no quotidiano do interior sergipano. Tão rápido como a viagem um pensamento me assalta. Foi a primeira vez que pensei no assunto. Ainda hoje, é como se pudesse sentir o meu coração de adolescente correndo acelerado. Mais rápido ainda afastei a idéia. Era bobagem. Tinha outros planos para minha vida.

Vinte e dois anos. Técnico em edificações. Programador de computador. Quarto semestre de Matemática na UFS. Emprego fixo. Namoro mais fixo ainda com a mais linda garota que conheço até hoje. Meus planos seguiam muito bem. Os estudos e o trabalho me proporcionavam prazer e esperança de um futuro seguro. Mas o que mais aquecia meu coração tinha haver com aquele pensamento...

Vinte e três anos. Aquele pensamento do qual eu estava fugindo torna-se tão intenso que se transmuta numa voz... Um chamado. Mas como obedecer? Teria de abandonar o emprego e o curso. Ficar distante por muito tempo da família, da namorada. Teria de refazer meus planos. Recomeçar do zero. Jogar fora a segurança dos cinco salários mínimos que ganhava. Mas, há coisas mais importantes!

Trinta e nove anos. “Será que essas pessoas conhecem o amor de Deus? Quem falará desse amor para elas?” Foi esse o tal pensamento que mudou a minha vida. Não poderia fazer ou ser outra coisa. Os quase cinco anos no Seminário Presbiteriano fazendo teologia foram árduos, mas indispensáveis para desempenhar meu chamado. Não há nada que substitua a alegria de ser agente na transformação de vidas. Ver o Evangelho restaurar pessoas, famílias, relacionamentos. Receber o abraço de uma mãe que agradece pela mudança na vida de seu filho. Compartilhar lágrimas nos momentos de dor. Sorrisos nos de alegria. Transmitir os ensinos do Evangelho de Cristo na esperança de as pessoas se reaproximarem de Deus. Ensinar as ovelhas do rebanho a se preocuparem mais com o ser do que com o ter, para desta forma perceberem que a felicidade não é constituída de momentos, mas sim de relacionamentos sinceros com Deus e com o próximo. Sorrir junto com os pais e compartilhar de sua felicidade toda vez que realizo o batismo de uma criança. Aprender com a fé das minhas ovelhinhas mais idosas que, muitas vezes não podem ir mais a igreja e me recebem com alegria em suas casas quando vou visitá-las para levar o sacramento da Ceia do Senhor. Compartilhar o Cristo vivo, ressurreto, salvador presente na vida e no coração dos que o amam. Contribuir para a construção de uma religiosidade sadia, sem o perigo da idolatria e a ignorância do fanatismo. Fugir do legalismo farisaico e abraçar o cristianismo como o mais fascinante projeto de vida. Mostrar que seguir a Cristo é uma questão de entender a sua proposta para essa e a outra vida e, concordando com ela, passar a viver sob a égide de seu maior pilar: o amor. Tentar fazer entender que é uma pobreza espiritual muito grande seguir a Cristo por medo de um castigo futuro, ainda que cada um dará conta de seus atos a Deus. Amar como Ele amou, vale a pena viver esse lema de vida. Conviver com pessoas diferentes, mas irmanadas pela mesma fé, o mesmo amor, re-significando o sentido da palavra comunhão. Ver meros admiradores transformarem-se em verdadeiros discípulos Cristo. Corações amargurados e tristes em poços de esperança. Contemplar pessoas sem um relacionamento com Deus se descobrirem seguras ao lado daquele que disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
Ainda continuo estudando. Casei com aquela linda garota. Como todo programador, sou um apaixonado por tecnologia. Ainda tenho planos, sonhos... Mas nada incendeia mais o meu coração do que a tarefa e o chamado de Cristo para minha vida. A cada dia eu entendo mais o que ele quis dizer quando falou: “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens.” É isso que eu sou: um pequeno pastor. Assim nasceu esse pequeno pescador, não de peixes, mas de homens.

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